Os 50 filmes favoritos de 2021

Um grande ano cinematográfico (impulsionado pelos adiamentos de 2020)

Nate Buzelli
12 min readJan 28, 2022

Quando lembramos de um filme que amamos, raramente pensamos em sua história como um todo: lembramos da nossa experiência, lembramos de uma fala, de uma música, de uma sequência, de um frame ou de um conceito. O cinema é a arte que existe num momento do espaço e tempo, então muito de sua existência é na nossa mente, na nossa memória, da maneira em que a deixamos fermentar o nosso imaginário.

Por isso em vez de escrever sobre os filmes de forma individual, deixarei breves comentários sobre o que provavelmente lembrarei de forma mais vívida das experiências proporcionadas pelos 24 primeiros.

E que fique claro: a única certeza que tenho sobre a ordem é que esta mudará eventualmente.

1–14

Bergman Island, de Mia Hansen-Løve (França/Suécia)
  • Penso em Mia Wasikowska cantando “The Winner Takes it All” do ABBA enquanto Anders Danielsen Lie vai embora em Bergman Island, filme que transforma um dos maiores artistas do século XX em personagem complexo e onipresente (como Jane Campion fez com Bronco Henry em The Power of the Dog, só que aqui é real) enquanto mergulha nos mistérios que a arte nos propõe a enfrentar e nas sensações que ela nos força a sentir, como espectador e como criador.
The Worst Person in the World, de Joachim Trier (Noruega)
  • Penso na beleza do rosto humano e como ele sozinho pode movimentar uma narrativa. Renate Reinsve é magnética e, ainda que não esteja enquadrada no centro, em close-up a todo momento, se você a procurar, encontrará o que precisa. The Worst Person in the World conversa muito com as gerações mais novas no nosso mundo, em ritmo e em conteúdo, mas é sua honestidade e energia que dá ao filme uma força além da curadoria.

Através do brilhante elenco, as discussões pertinentes dos roteiristas Joachim Trier e Eskil Vogt sobre arte, relacionamentos e limite da expressão (interpessoal ou artística) ganham dimensão tão humana que parecem fazer parte apenas de uma conversa casual entre amigos que buscam apenas ocupar o tempo, e de certa forma acaba provando que, por mais que a sociedade tente dar limites, não existe politicamente correto para relações humanas.

West Side Story, de Steven Spielberg (EUA)
  • Penso em toda a energia que chegou até mim através do trabalho impecável e extraordinário das pessoas por trás de West Side Story. Tal energia inspira e emociona, te faz querer levantar do seu assento na sala de cinema e dançar junto. Spielberg sempre me fez sentir muito mais do que outros cineastas, mesmo em filmes que não refletissem seu melhor trabalho, neste caso, consegue casar todos os elementos técnicos da narrativa como apenas um virtuoso poderia. Parecer simples é a magia cinematográfica em ação.

A imagem tem poder, e quando se contrapõe a uma das melhores músicas já escritas, pode mover o que estiver na frente.

The Power of the Dog, de Jane Campion (EUA/Reino Unido)
  • Penso na magnitude das performances e das camadas que só o cinema oferece. Toda vez que assistir The Power of the Dog novamente, me maravilharei mais um pouco com a maturidade de sua narrativa, que não tem medo de acrescentar porque sabe que vai mesclar. Escrever um filme está mais para escrever poesia do que prosa, porque cada palavra importa em seu significado, sua inflexão dentro da frase, sua sonoridade e também como ela reflete seus personagens; este filme é prova disso. Tente assistí-lo em outro idioma e não funcionará, tente traduzi-lo e perderá significados importantes — é uma obra completa que talvez não seja digna da nossa maneira apressada e viciada de ver filmes hoje em dia.
Licorice Pizza, de Paul Thomas Anderson (EUA)
  • Penso na escrita de Paul Thomas Anderson para Licorice Pizza, um filme que — assim como muitos do diretor — pode ser muito mal interpretado. Mas Anderson é um artista antes de mais nada e confia muito mais na força de seus colaboradores e na perspicácia de seus espectadores. Toda a narrativa do filme, estrelado por dois atores que jamais tinham trabalhado num filme antes (Alana Haim e Cooper Hoffman), cria uma atmosfera de memória enquanto se celebra o cinema, em Los Angeles nos anos 70, mas com uma visão afetiva e seletiva que dá ao filme um ritmo e personalidade única. Penso também em como os diversos momentos marcantes do filme (aquela cena do caminhão) poderão se tornar icônicos com o passar dos anos.
Drive My Car, de Ryûsuke Hamaguchi (Japão)
  • Penso no mistério fascinante envolvido por afeto em Drive My Car. Não existem respostas exatas na vida, apenas experiências e conexões que, assim como o cinema, só existem no presente. Como já disse num artigo dolorido que escrevi aqui sobre ansiedade, o passado é memória e a memória é conflituosa. Conectar é o motivo pelo qual o ser humano se expressa; quando tal expressão é correspondida com afeto somos elevados, por encontrarmos satisfação ou por conseguirmos uma resposta que não tínhamos ainda sobre nós mesmos. A arte só é misteriosa porque reflete o humano por trás
Titane, de Julia Ducournau (França)
  • Penso no poder imagético e sonoro de Titane, a melhor experiência cinematográfica que tive no ano passado (esquece Homem-Aranha: Sem Volta Pra Casa pelo amor de Deus). Risos, suspiros, gritos curtos de tensão pela situação de um personagem seguidos de mais risos pelo que acabara de acontecer. Anos passarão e toda vez que eu ver um frame deste filme, lembrarei exatamente o que senti naquele momento. Memória sensorial, ou linguagem cinemática tatuada no corpo.
A Hero, de Asghar Farhadi (Irã)
  • Penso na dedicação de Asghar Farhadi em trabalhar com tantos atores de idades e backgrounds diferentes em A Hero — e ser assim bem sucedido em construir sua trama de conflitos éticos/morais sem confusão, convidando o espectador a participar e tomar sua decisão no mundo real. Se essa narrativa autoral de Farhadi teve mais impacto com A Separation em 2011, seu novo filme tem mais urgência e te deixa praticamente incapacitado de tomar qualquer lado (o que era bem fácil de se fazer no filme de 2011), apenas de sentir pena dos que estão envolvidos.

Saio do cinema pensando: o que faria nessa situação? Teria eu a mesma força para aguentar a humilhação por tanto tempo? No fim das contas, no sistema em que somos obrigados a viver, mentir é uma necessidade.

The Souvenir — Part II (Joanna Hogg, Reino Unido)
  • Penso no cinema como terapia em contraponto com a dificuldade de estabelecer uma identidade narrativa. Se estamos em constante movimento, nossa identidade muda bastante, então como pode alguém dar à expressão uma cara e um som? Joanna Hogg parece ter passado por todo o processo de mudança e em The Souvenir — Part II conseguiu olhar para trás, valorizar as ideias boas e ingênuas (muitas vezes as revolucionárias) e trazê-las de volta para ensaiar sobre sua juventude e o cinema.

Um filme que complementa com qualidade muito do que é discutido e proposto em ambos “Bergman Island” e “Drive My Car”. Maratonar os três não é má ideia.

Petite Mamam, de Celine Sciamma (França)
  • Penso na inocente simplicidade de Petite Mamam, o filme mais minimalista de Celine Sciamma e aquele que mais evidencia sua confiança e maturidade como artista. Quando estamos começando, queremos fazer de tudo, criar narrativas complexas e intricadas, apenas para crescer e entender que é na simplicidade que se estabelece as mais fortes conexões (ainda que o processo não seja simples). O cinema nos convida todos os dias a voltar a ser criança e abrir nosso coração para novas ideias, mensagens e sensações.
Memoria, de Apichatpong Weerasethakul (Colombia/Reino Unido/Tailândia)
  • Penso na atmosfera e no vazio, o qual nos permite preencher e interagir, que Memoria nos oferece. É uma experiência cinematográfica única, daquelas que jamais devem acontecer fora da sala de cinema (e ainda, é no MUBI que o filme vai passar por aqui). Lentidão, sonolência, fascinação, surpresa, mas acima de tudo Apichatpong Weerasethakul nos convida a meditar. Tal obra me fez questionar o meu relacionamento com o cinema atualmente, meus vícios, os próprios critérios de avaliação (que a mim servem como referência para minha própria criação) e como é patético limitar a arte. Não sei se verei novamente, mais jamais esquecerei tudo o que pensei e tudo o que não pensei enquanto vivia Memoria.
The Card Counter (Paul Schrader, 2021)
  • Penso na maturidade de uma grande narrativa, forrada na mente de um artista cujos temas favoritos ainda o incomodam da mesma maneira que faziam há 20 anos atrás. Só que no momento atual, com resquício de pós-modernidade, eles parecem ter mais urgência e fazer mais sentido. The Card Counter entrega emoção através da restrição e só consegue isso porque Paul Schrader soube depositar suas esperanças no ator certo, Oscar Isaac (como ele mesmo disse, “é Marcello”).
The Great Freedom, de Sebastian Meise (Áustria)
  • Penso na sequência final de The Great Freedom, como é doída e corajosa ao mesmo tempo, e nas performances monumentais de Franz Rogowski e Georg Friedrich, as quais não serão lembradas por premiações, mas serão louvadas pelas pessoas certas e, com o tempo, jamais esquecidas.
The Lost Daughter, de Maggie Gyllenhaal (EUA)
  • Penso em Olivia, Jessie, Dakota e Dagmara, as atrizes que compõem o elenco de The Lost Daughter. Se a narrativa de Maggie Gyllenhaal te reduz a migalhas, é porque essas mulheres a transformam em força da natureza.

15–24

Annette, de Leos Carax (França/EUA)
  • Penso na audácia de Leos Carax ao colocar uma marionete para representar a filha de Henry e Ann em Annette. Uma das poucas óperas escritas para o cinema, este filme é repleto de contradições propositais que contribuem para a sátira sobre a indústria do espetáculo, aquela que consegue ser elétrica e morosa, moralista e anti-ética, progressista na oratória e fundamentada em valores ultrapassados. Assim como Fellini costumava fazer para colocar os espectadores no estado mental de seus protagonistas, Carax e os irmãos Ron e Russ Mael (compositores) exageram até que haja o esgotamento total, transcendendo o “argumento crítico” do drama para a experiência.
What Do We See When We Look at the Sky, de Aleksandre Koberidze (Georgia)
  • Penso na beleza do cotidiano em What Do We See When We Look at the Sky e como estava o detestando até que me permiti gostar, então o filme fez estrago em mim. Um conto de fadas que encontra na fantasia e na paciência — dentro e fora de tela — virtudes para sobreviver ao dia-a-dia. O final me emocionou e me inspirou a acreditar.
L’Événement, de Audrey Diwan (França)
  • Penso na face humana, que para Bergman é o “principal tópico do cinema” (em linguagem livre). Em L’Événement, drama sobre aborto vencedor do Leão de Ouro em Veneza, muito não é falado e muito não é mostrado, mas através da performance gigante de Anamaria Vartolomei, seguida e asfixiada por uma câmera que não a deixa de lado (repetindo muitos elementos também utilizados por Cristian Mungiu no inesquecível 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias), muitos argumentos importantes são feitos; pelo seu rosto a emoção é transferida.
A Chiara, de Jonas Carpignano (Itália)
  • Penso na força de uma direção capaz de não apenas convencer mas te fazer questionar se todos os atores no elenco não são de verdade quem são em tela. A Chiara se torna uma montanha russa de emoções à partir do momento em que o fascínio pelos atores/personagens te permite ser levado para onde quiserem que você vá.
Red Rocket, de Sean Baker (EUA)
  • Penso na simples mas difícil construção de alegoria em Red Rocket. Sean Baker é um dos nomes mais interessantes do cenário independente dos Estados Unidos, praticamente um antropólogo na forma que observa e dá voz aos indivíduos à margem da sociedade, criando um universo pautado no realismo mas existente nas regras de seus personagens. É moderno e irônico, encapsulando tempo e espaço de maneira tão rara para filmes tão pequenos.
Wife of a Spy, de Kiyoshi Kurosawa (Japão)
  • Penso em todas as histórias não contadas, nos heróis e heroínas que desapareceram durante/após o tempo de guerra. Wife of a Spy é classicismo de primeira das mãos de um dos mais importantes nomes do cinema de gênero mundial, Kiyoshi Kurosawa, mas acima da estética fica o sentimento de que existiram pessoas de uma coragem, honra tão grande à ponto de sacrificarem suas existências em virtude do que consideraram maior.
The Hand of God, Paolo Sorrentino (Itália)
  • Penso nas emoções, na juventude. The Hand of God é talvez o filme com maior potencial de subir nessa lista, uma vez que existe muito com o que me identificar na história de Fabietto. São as emoções materializadas, na brutalidade de seu humor e honestidade de sua crítica, que fazem a obra transcender, e eu senti tudo.
Spencer, de Pablo Larraín (EUA/Reino Unido)
  • Penso na narrativa conduzida pelos elementos visuais, que permite que Kristen Stewart seja apenas uma modelo em Spencer. Poucos filmes conseguiram contar uma história com menos palavras do que este em 2021, isto ocorre porque sua protagonista está num meio em que diálogos não significam nada praticamente — ela é o ser estranho que não pertence e está sendo manipulada de muitas maneiras possíveis. Pablo Larraín cria uma atmosfera de terror não convencional (shout-out Claude Chabrol) colocando a fragilidade de Stewart no centro, de forma reativa.
The Killing of Two Lovers, de Robert Machoian (EUA)
  • Penso na angústia de The Killing of Two Lovers, o primeiro grande filme que vi em 2021. Apesar do tempo que faz entre este artigo e o dia que o vi, recordo perfeitamente de como não consegui dormir por pensar em todas as maneiras que Robert Machoian encontrou para te colocar na posição do protagonista: incomodando através do som, do distanciamento e principalmente ao se negar a seguir em frente; é na lentidão dos cortes e da ação que ele machuca sua ansiedade.
Duna, de Dennis Villeneuve (EUA/Reino Unido)
  • Ainda penso em como ficaria por 4 horas no cinema, facilmente, assistindo Duna. Eu cresci gostando de filmes longos (E o Vento Levou, Ben-Hur, Intolerância, Os Melhores Anos de Nossas Vidas, Giant, etc), então nunca tive problema em passar horas e horas no cinema desde que a experiência fosse decente; assim como nos filmes de Nolan (recomendo meu artigo sobre ele nesta mesma plataforma), apesar de vícios didáticos existe uma dedicação gigante dos realizadores para entregarem a melhor experiência possível, colocando em cada plano um esforço estético que gera um imenso fascínio pelo universo. Daí acrescente os dilemas colocados pelos personagens, interpretados por atores cuja familiaridade permite imediata identificação, e a curiosidade para o que há de vir te toma por completo. Preferiram dividir em 2 para ganharem mais dinheiro, o que é característico, mas que fique anotado: eu gostaria que Duna fosse 1 filme apenas, de 4h de duração. Megalomania Selznickiana é arte, baby.

25–50

  • Hit the Road (Panah Panahi, Irã)
  • Madres Parallelas (Pedro Almodóvar, Espanha)
  • In the Heights (John M. Chu, EUA)
  • The French Dispatch (Wes Anderson, EUA/França)
  • tick, tick…BOOM (Lin Manuel Miranda, EUA)
  • Compartment no. 6 (Juho Kuosmanen, Finlândia)
  • Flee (Jonas Poher Rasmussen, Dinamarca)
  • The Velvet Underground (Todd Haynes, EUA)
  • Unclenching the Fists (Kira Kovalenko, Rússia)
  • Passing (Rebecca Hall, EUA)
  • Wheel of Fortune and Fantasy (Ryûsuke Hamaguchi, Japão)
  • Mass (Fran Kanz, EUA)
  • Petrov’s Flu (Kirill Serebrennikov, Rússia)
  • A Cidade dos Abismos (Priscila Betym e Renato Coelho, Brasil)
  • Summer of Soul (…or, When the Revolution Could Not Be Televised) (Questlove, EUA)
  • Sundown (Michel Franco, México/Reino Unido)
  • Benedetta (Paul Verhoeven, França/Itália)
  • The Woman Who Ran (Hong Sang-soo, Coréia do Sul)
  • 7 Prisioneiros (Alexandre Moratto, Brasil)
  • Mein Sohn (Lena Stahl, Alemanha)
  • C’mon C’mon (Mike Mills, EUA)
  • Bad Luck Banging or Loony Porn (Radu Jude, Romênia)
  • I’m Your Man (Maria Schrader, Alemanha)
  • No Sudden Move (Steven Soderbergh, EUA)
  • Cyrano (Joe Wright, EUA/Reino Unido)

Menções Honrosas: “The Tragedy of Macbeth” (Joel Coen, EUA), “France (Bruno Dumont, França), “Nightmare Alley” (Guillermo Del Toro, EUA/Mexico), “The Novice” (Lauren Hadaway, EUA), “The Innocents” (Eskil Vogt, Noruega), “Don’t Look Up” (Adam McKay, EUA), “Murina” (Antoneta Alamat Kusijanović, Croácia/Eslovênia), “Zola” (Janicza Bravo, EUA), “The World to Come” (Mona Fastvold, EUA), “Saint Maud” (Rose Glass, Reino Unido), “Introduction” (Hong Sang-soo, Córeia do Sul) e “The Last Duel” (Ridley Scott, EUA/Reino Unido).

Este artigo manteve os títulos originais ou em língua inglesa das obras para manter uniformidade, uma vez que muitos filmes ainda não receberam ou não receberão tradução nacional.

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Nate Buzelli
Nate Buzelli

Written by Nate Buzelli

Tentando abrir uma janela para perspectivas não convencionais. Isso talvez seja um perigo. Graduado em cinema, escrevendo sobre cultura e cotidiano.

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