“Estou pensando em parar de ver esse filme…”
Uma reflexão minha sobre (mais) um filme de neuroses e ideias de Charlie Kkauffman.
Charlie Kaufman é talentoso. Isso é um fato. Mas sempre me incomodou a forma como parte da crítica especializada, americana especialmente, e os pseudo-cinéfilos o deixavam num pedestal e esqueciam o imenso trabalho que Spike Jonze e Michel Gondry fizeram para transformar as palavras de Kaufman em narrativas coesas.
Desde que Kaufman virou diretor, com seu “Synecdoche, New York” (2008), essa coesão ficou meio perdida e seus filmes viraram junções de ideais diferentes, que não pareciam se conectar tão bem. Alguns espectadores identificam essas ideias, acabam se conectando e por isso gostam do filme, mas no fim do dia, são muitas contradições do ponto de vista narrativo que atrapalham uma imersão que deveria ser necessária. No cinema, não existe QUEBRA sem IMERSÃO. Nem o teatro brechtiano, que busca despir sua obra de qualquer ilusão e constantemente lembrar o espectador sobre a crítica inserida, funcionaria sem que houvesse verdadeiro interesse do público.
A imersão não vem apenas através da trama ou da premissa, mas da escolha correta dos atores, do uso correto de música, dos enquadramentos certos, mas também do interesse mínimo do diretor em contar a história de forma que ela seja interessante.
A expressão é a coisa para importante para o ser-humano, mais do que amor, dinheiro, etc. A pessoa quer falar e quer ser ouvida, seja através de uma conversa, de um texto, filme, música, etc. Quando Brahms ouviu a nona sinfonia de Beethoven, ele achou que era a melhor, a definitiva, e por isso desistiu por um tempo de compor a sua, pois tinha medo que não fosse ser ouvido, que sua expressão fosse ignorada ou ridicularizada— mas o tempo passou e ele não conseguiu ficar calado, apenas fez questão de fazer um trabalho que — pelo menos em sua mente — fosse tão bom quanto, ainda que tomasse muito tempo para ficar pronta. Por isso, eu jamais irei defender o silêncio por parte de qualquer diretor ou autor, a não ser que seja para ser preconceituoso e/ou opressor de alguma forma.
Cinema é o que o diretor ou produtor, ou seja quem tiver controle da narrativa, quer que seja.
Dito isso, aqueles que veem filmes também têm uma leitura subjetiva deles, dentro da qual não deve-se considerar as boas intenções apenas, mas a execução também. Olhar o filme como todo e destrincha-lo através de suas nuances. Quando eu penso em “Estou Pensando em Acabar com Tudo” (e eu garanto que pensarei nele por pouco tempo) eu me sinto incomodado da pior forma possível, como se tivesse perdido um tempo precioso da minha vida, não porque o filme é necessariamente ruim, mas porque tudo o que ele queria dizer, eu não tinha interesse, e o diretor jamais tentou me convencer que eu deveria ter; pelo contrário, me afastou.
Todas as decisões de Kaufman dentro dessa adaptação, algo incomum para o sempre “original” autor, parecem querer chamar a atenção do espectador para elas mesmas, mas de uma forma…contraditória; enquanto elas apontam para o incessante questionamento criativo do diretor/roteirista (algo já visto em “Adaptação” e “Synecdoche…”) e sua ansiedade — conversando diretamente com o tema do livro — elas também o alto-reverenciam.
Francis Ford Coppola disse uma vez que quando estava começando queria escrever uma metáfora em cada parágrafo de seus textos, apenas para entender e aprender depois que a obra como um todo deveria funcionar como metáfora. “Estou Pensando em Acabar com Tudo” apresenta uma metáfora em quase toda cena, algumas que sequer importam para o filme, mas estão lá porque ele não tem coragem ou capacidade de cortar diálogo; a sequência inicial do carro tem quase 20 minutos e traz consigo muita coisa que não interessa. Sinceramente, não fosse pelo elenco excelente — principalmente a futura estrela Jessie Buckley — eu teria desligado a TV.
Se olharmos a proposta do filme como um todo, ela é interessante, e existem bons momentos na trama. Mas por que eu deveria olhar para a obra dessa forma se o autor não o faz? A reflexão sobre a vida de um personagem problemático, seu passado e futuro, num presente que já traz suas próprias complicações — uma ansiedade muito real neste século XXI — acaba ficando de canto, porque você precisa a cada momento se perguntar sobre a metáfora da vez, principalmente quando ela vem através do diálogo. Incomoda mais.
Outra contradição: do que adianta propor tantas indagações se as respostas são entregues em seguida? Ele se pergunta, se responde e assim vai do começo ao fim, porque são ideias do autor que estão sendo expostas, não questionamentos dele colocados em tela para que possamos refletir. Não existe uma colaboração entre esse cinema “mais abstrato” e o espectador para que este último ajude na “criação” do próprio filme, como Tarkovsky fazia, como Alain Resnais fazia, como Buñuel fazia.
Existe a abstração porque ele não gosta de fazer algo que não chame a atenção das pessoas por ser “diferente de tudo”, seja isso bom ou ruim.
“Mas é fiel ao livro” ou “entende a mensagem do livro em que se baseou”. Não, Charlie Kaufman é um cineasta autoral, ele não vai fazer filmes que não refletem sua visão de mundo. E mesmo que a adaptação seja fiel, não importa, porque são mídias diferentes e você tem que criar algo novo para uma mídia nova. As melhores adaptações de todos os tempos não são necessariamente fiéis ou tementes a obra original, veja “Laranja Mecânica”, “Um Corpo que Cai”, “Apocalypse Now”, “Lawrence da Arábia”, “A Rede Social”, etc.
“Estou Pensando em Acabar com Tudo” será esquecido em pouco tempo (mais do que deveria considerando o estado do cinema na pandemia), assim como aconteceu com “Anomalisa” e “Synecdoche, New York”. Acredito que, mesmo no meio cinéfilo, poucas pessoas aguentam, se interessam em ver esses filmes mais de uma vez (e eu gosto de filme lento e complexo, recomendo Bergman inclusive), um grande problema, pois essas narrativas deveriam ser refrescantes.
A pergunta que fica é: o que você leva disso tudo, seja da experiência ou da dramaturgia? Para mim, Nathanael Buzelli, pouco, muito pouco.
P.S.: Tinha que citar Cassavetes porque ninguém mais vê Cassavetes hoje em dia, né? Como fã do multi-talentoso diretor americano, eu amo que façam menções a “Uma Mulher Sob Influência”, até porque a menção vem como uma maneira do Charlie Kaufman se alto satirizar, mas pensando no público da Netflix…